Síndrome Periódica Associada à Criopirina (CAPS) 


Versão de 2016
diagnosis
treatment
causes
Cryopyrin Associated Periodic Syndromes (CAPS) (CINCA/Muckle Wells/FCAS)
Síndrome Periódica Associada à Criopirina (CAPS)
A Síndrome Periódica Associada à Criopirina (CAPS) compreende um grupo de doenças auto-inflamatórias raras que incluem Síndrome Auto-inflamatória Familiar Associada ao Frio (FCAS), Síndrome de Muckle-Wells (MWS) e Síndrome Neurológica Cutânea Articular Infantil Crónica (CINCA), também conhecida como Doença Inflamatória Multi-sistémica de Início Neonatal (NOMID)
evidence-based
consensus opinion
2016
PRINTO PReS



1. O QUE É A CAPS

1.1 O que é?
A Síndrome Periódica Associada à Criopirina (CAPS) compreende um grupo de doenças auto-inflamatórias raras que incluem Síndrome Auto-inflamatória Familiar Associada ao Frio (FCAS), Síndrome de Muckle-Wells (MWS) e Síndrome Neurológica Cutânea Articular Infantil Crónica (CINCA), também conhecida como Doença Inflamatória Multi-sistémica de Início Neonatal (NOMID). Estas síndromes foram descritas inicialmente como doenças clínicas diferentes, apesar de algumas semelhanças clínicas. Os pacientes apresentam frequentemente sobreposição de sintomas que incluem febre, erupção cutânea semelhante a urticária (pseudo-urticária) e envolvimento articular de gravidade variável associada a inflamação sistémica.
Estas três doenças existem com uma gravidade contínua: A FCAS é a doença mais leve, a CINCA (NOMID) é a mais grave e os pacientes com MWS têm um fenótipo intermédio.
A caracterização destas doenças a nível molecular demonstrou a existência de mutações no mesmo gene nas três doenças.

1.2 É uma doença comum?
A CAPS é um conjunto de doenças muito raras que afetam apenas alguns indivíduos em um milhão pessoas, mas provavelmente são pouco conhecidas. A CAPS pode ser encontrada em todo o mundo.

1.3 Quais são as causas da doença?
A CAPS são doenças genéticas. O gene responsável pelas 3 doenças clínicas (FCAS, MWS, CINCA/NOMID) chama-se CIAS1 (ou NLRP3) e codifica uma proteína chamada criopirina. Esta proteína desempenha um papel fundamental na resposta inflamatória do corpo. Se o gene estiver alterado, confere uma função aumentada à proteína (chamada ganho de função) e as respostas inflamatórias aumentam de intensidade. Estas respostas inflamatórias de maior intensidade são responsáveis pelos sintomas clínicos observados na CAPS.
Em 30% dos pacientess com CINCA/NOMID, não é observada nenhuma mutação no CIAS1. Existe algum grau de correlação genótipo/fenótipo. As mutações observadas nos pacientess com formas leves de CAPS não foram observadas nos pacientes afetados gravemente e vice-versa. Fatores genéticos ou ambientais adicionais também podem modular a gravidade e os sintomas da doença.

1.4 É hereditária?
A CAPS é herdada como uma doença autossómica dominante. Isto significa que a doença é transmitida por um dos pais, que tem a doença sendo portador de uma cópia anormal do gene CIAS1. Uma vez que todos os indivíduos têm duas cópias de todos os genes, o risco de um progenitor afetado transmitir a cópia do gene CIAS1 mutante, e como tal transmitir a doença a cada filho, é de 50%. Também podem ocorrer mutações de novo (novas). Nestes casos, nenhum dos progenitores tem a doença nem nenhum é portador da mutação no gene CIAS1, mas a disrupção do gene CIAS1 desenvolve-se após a conceção da criança. Neste caso, o risco de outro filho desenvolver CAPS é aleatório.

1.5 É infecciosa?
A CAPS não são doenças infecciosa

1.6 Quais são os principais sintomas?
A erupção cutânea — um sintoma chave nas três doenças — é geralmente o primeiro sintoma observado. Independentemente da síndrome, apresenta as mesmas características. É uma erupção maculopapular migratória (parecendo uma urticária), geralmente sem prurido. A intensidade da erupção cutânea pode variar de paciente para paciente e de acordo com a atividade da doença.
A FCAS, anteriormente conhecida como urticária familiar ao frio, caracteriza-se por episódios recorrentes de febre de curta duração, erupção cutânea e dor nas articulações precipitada pela exposição a temperaturas baixas. Outros sintomas reportados frequentemente incluem conjuntivite e dor muscular. Os sintomas têm início geralmente 1-2 horas após a exposição generalizada a temperaturas baixas ou a variações de temperatura significativas, e a duração dos episódios é geralmente pequena (menos de 24 horas). Estes episódios se resolvem espontaneamente (significa que se resolvem sem tratamento). Os pacientes referem frequentemente estar bem pela manhã após uma noite onde esteve febril com desconforto, mas que piora no final do dia após uma nova exposição ao frio. O início precoce da doença, do nascimento aos primeiros 6 meses de vida, é comum. É observada inflamação no sangue durante os episódios com sintomas. A qualidade de vida dos pacientess com FCAS pode ser afetada de forma variável devido à frequência e à intensidade dos sintomas. No entanto, complicações tardias tais como surdez e amiloidose geralmente não ocorrem.

A MWS caracteriza-se por episódios recorrentes de febre e erupção cutânea associados a inflamação articular e ocular, embora nem sempre exista febre. A fadiga crónica é muito frequente.
Normalmente não são identificados os fatores desencadeadores da doença e o desencadear da doença pelo frio é raramente observado. A evolução da doença varia entre indivíduos, desde episódios recorrentes de inflamação mais frequentes até sintomas mais permanentes. Tal como na FCAS, os pacientess com MWS descrevem frequentemente um padrão de agravamento dos sintomas à noite. Os primeiros sintomas ocorrem no início da vida mas também já foram descritos casos de início da doença na infância.
A surdez é comum (ocorrendo em aproximadamente 70% dos casos) e geralmente começa na infância ou no início da idade adulta. A amiloidose é a complicação mais grave da MWS e desenvolve-se na idade adulta em aproximadamente 25% dos casos. Esta complicação é devida à deposição de amilóide, uma proteína especial associada à inflamação, em alguns órgãos (como por exemplo nos rins, intestino, pele ou coração). Estes depósitos provocam uma perda gradual da função do órgão, especialmente dos rins. Manifesta-se como proteinúria (perda de proteína na urina), seguida de insuficiência renal. A amiloidose não é específica da CAPS e pode ser uma complicação de outras doenças inflamatórias crónicas.
É observada inflamação no sangue durante os episódios de inflamação ou mais permanentemente em casos mais graves. A qualidade de vida destes pacientes é afetada de forma variável.

A CINCA (NOMID) está associada com sintomas mais graves dentre de doenças. A erupção cutânea é geralmente o primeiro sinal e ocorre no nascimento ou no início da infância. Um terço dos pacientes pode ser prematuro ou pequeno para a idade gestacional. A febre pode ser intermitente, muito leve ou em alguns nem existir. Os pacientes queixam-se frequentemente de fadiga.
A gravidade da inflamação nos ossos e nas articulações é variável. Em aproximadamente dois terços dos pacientess, as manifestações nas articulações são limitadas a dor articular ou inchaço transitório durante os episódios. No entanto, num terço dos casos ocorre envolvimento articular grave e incapacitante, resultante do crescimento anormal de cartilagem. O crescimento exagerado dos ossos próximos a articulação pode causar grandes deformidades nas articulações, com dor e amplitude de movimentos limitada. Num padrão simétrico, os cotovelos, joelhos, pulsos e tornozelos são as articulações afetadas mais frequentemente. As manifestações radiológicas são características. Estas artropatias, quando existentes, ocorrem geralmente nas fases iniciais da vida, antes dos 3 anos de idade.
Existem anormalidades do sistema nervoso central (SNC) em quase todos os pacientes e são causadas por meningite asséptica crônica (inflamação não-infeciosa da membrana que envolve o cérebro e a medula espinal). Esta inflamação crónica é responsável pelo aumento crónico da pressão intracraniana. Os sintomas associados com esta doença variam de intensidade e incluem dores de cabeça crônicas, por vezes vômitos, irritabilidade nas crianças pequenas e papiledema no exame de fundo de olho (um exame oftalmológico específico). Em pacientes gravemente afetados ocorre ocasionalmente epilepsia (convulsões) e défice cognitivo.
Os olhos também podem ser afetados pela doença. Pode ocorrer inflamação na parte anterior e/ou posterior do olho, independentemente da presença de papiledema. Na idade adulta, as manifestações oculares podem evoluir para deficiência ocular (perda de visão). É frequente uma surdez preceptiva que se desenvolve no final da infância ou mais tarde durante a vida. Em 25% dos pacientes a amiloidose desenvolve-se com a idade. Podem ser observados atrasos de crescimento e atrasos no desenvolvimento das características puberais como consequência da inflamação crónica. A inflamação no sangue é persistente na maioria dos casos. Um exame cuidadoso dos pacientes com CAPS revela geralmente uma grande sobreposição dos sintomas clínicos. Os pacientes com MWS podem relatar sintomas consistentes com FCAS, tais como suscetibilidade ao frio (ou seja, episódios mais frequentes no inverno), ou sintomas consistentes com um envolvimento ligeiro do SNC, tais como dores de cabeça frequentes ou papiledema assintomático, tal como observado em pacientess com CINCA (NOMID). Da mesma forma, os sintomas associados ao envolvimento neurológico podem tornar-se evidentes nos pacientes à medida que envelhecem. Os membros da mesma família que são afetados por CAPS podem apresentar ligeiras variações de gravidade. No entanto, manifestações graves de CINCA (NOMID), tais como artropatia de supercrescimento ou envolvimento neurológico grave, nunca foram reportadas em membros de famílias afetadas pelas formas leves de CAPS (FCAS ou MWS ligeira).

1.7 A doença é igual em todas as crianças?
É observada uma enorme variabilidade da gravidade na CAPS. Os pacientess com FCAS têm uma doença leve com um bom prognóstico a longo prazo. Os pacientes com MWS são afetados de forma mais grave, devido à amiloidose e possível surdez. Os pacientes com CINCA/NOMID têm a doença mais grave. Neste grupo, também existe variabilidade dependendo da gravidade do envolvimento neurológico e articular.


2. DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

2.1 Como é diagnosticada?
O diagnóstico de CAPS baseia-se nos sintomas clínicos antes de ser confirmado geneticamente. A distinção entre FCAS e MWS ou entre MWS e CINCA/NOMID pode ser difícil devido à sobreposição de sintomas. O diagnóstico baseia-se nos sintomas clínicos e no histórico médico do pacientes. A avaliação oftalmológica (em particular a fundoscopia), a análise do LCR (punção lombar) e a avaliação radiológica são úteis para distinguir entre doenças contíguas.

2.2 Há tratamento ou cura para a doença?
A CAPS não pode ser curada, uma vez que são doenças genéticas. No entanto, graças aos avanços significativos na compreensão destas doenças, estão atualmente disponíveis novos e promissores medicamentos para tratar a CAPS e estão sob investigação para avaliar o seu efeito a longo prazo.

2.3 Quais são os tratamentos?
Trabalhos recentes sobre a genética e fisiopatologia da CAPS mostram que a IL-1 β, uma poderosa citocina (proteína) da inflamação, é produzida em excesso nestas doenças e desempenha um papel importante no início da doença. Atualmente, existem diversos medicamentos inibidores da IL-1 β (bloqueadores da IL-1) em várias fases de desenvolvimento. O primeiro medicamento utilizado no tratamento destas doenças foi a anakinra. Demonstrou ser rapidamente eficaz no controle da inflamação, erupção cutânea, febre, dor e fadiga em todas as formas de CAPS. Este tratamento também melhora eficazmente o envolvimento neurológico. Em algumas doenças, pode melhorar a surdez e controlar a amiloidose. Infelizmente, este medicamento não parece ser eficaz na artropatia com crescimento exagerado da cartilagem e do osso. As doses necessárias dependem da gravidade da doença. O tratamento deve ser iniciado precocemente nos bebês, antes da inflamação crónica provocar lesões irreversíveis e acometimento neurológico com dano permanente tais como surdez ou amiloidose. São necessárias injeções subcutâneas diárias. São frequentemente reportadas reações locais no local da injeção, mas estas podem regredir com o tempo. O rilonacept é outro medicamento anti-IL-1 aprovado pela FDA (Agência Americana dos Medicamentos e da Alimentação - Food and Drug Administration nos EUA) para pacientes com mais de 11 anos de idade que sofrem de FCAS ou MWS. São necessárias injeções subcutâneas semanais. O canaquimumabe é outro medicamento anti-IL-1 aprovado pela FDA e pela Agência Europeia de Medicamentos (European Medicine Agency) (EMA) para pacientes com mais de 2 anos de idade que sofrem de CAPS. Nos pacientes com MWS, este medicamento demonstrou recentemente controlar eficazmente as manifestações inflamatórias através de uma injeção subcutânea a cada 4 a 8 semanas. Devido à natureza genética da doença, é possível que o bloqueio farmacológico da IL-1 deva ser mantido durante longos períodos de tempo, se não durante toda a vida.

2.4 Quanto tempo durará a doença?
As CAPS são doenças crônicas de longa duração.

2.5 Qual é o prognóstico (evolução e resultado previsto) a longo prazo da doença?
O prognóstico a longo prazo da FCAS é bom mas a qualidade de vida pode ser afetada por episódios recorrentes de febre. Na síndrome de MWS, o prognóstico a longo prazo pode ser afetado pela amiloidose e insuficiência da função renal. A surdez é também uma complicação significativa a longo prazo. As crianças com CINCA podem apresentar distúrbios de crescimento durante a evolução da doença. Na CINCA/NOMID, o prognóstico em longo prazo depende da gravidade do envolvimento neurológico, neurosensorial e das articulações. A artropatia hipertrófica pode provocar deficiências graves. A morte prematura é possível em pacientes gravemente afetados. O tratamento com bloqueadores da IL-1 tem melhorado significativamente o prognóstico da CAPS.


3. VIDA QUOTIDIANA

3.1 De que forma pode a doença afetar o dia a dia da criança e da sua família?
A qualidade de vida pode ser afetada pelos episódios recorrentes de febre. Muitas vezes, pode existir um atraso considerável até o diagnóstico correto ser efetuado, o qual pode causar ansiedade nos pais e, por vezes, procedimentos médicos desnecessários.

3.2 E a escola?
É essencial continuar a educação das crianças com doenças crônicas. Existem alguns fatores que podem causar problemas enquanto as crianças estão na escola e, como tal, é importante explicar aos professores as possíveis necessidades das crianças. Os pais e os professores devem fazer tudo o que puderem para permitir que a criança participe nas atividades escolares de forma normal, de modo a que a criança não só seja bem-sucedida academicamente, como para ser também aceite e apreciada pelos colegas e adultos. A integração futura no mundo profissional é essencial para um paciente jovem e é um dos objetivos dos cuidados globais dos pacientes crónicos.

3.3 E em relação à prática de esportes?
A prática de esportes é um aspecto essencial da vida diária de qualquer criança. Um dos objetivos do tratamento é permitir que as crianças tenham uma vida normal na medida do possível e não se considerem diferentes dos seus colegas e amigos. Como tal, todas as atividades podem ser praticadas desde que toleradas. No entanto, pode ser necessário restringir a atividade física ou inclusive fazer uma pausa durante a fase aguda.

3.4 E em relação à alimentação?
Não existe nenhuma orientação alimentar específico. De um modo geral, a criança deve seguir uma alimentação variada e adequada para a sua idade. Uma alimentação saudável e bem equilibrada com proteínas, cálcio e vitaminas suficientes é recomendada para uma criança em crescimento.

3.5 O clima pode influenciar a evolução da doença?
A temperaturas frias podem desencadear sintomas.

A criança pode ser vacinada?
Sim, a criança pode e deve ser vacinada. No entanto, o médico responsável pelo tratamento deverá ser informado antes de serem administradas vacinas vivas atenuadas, de modo a poder dar um aconselhamento adequado caso a caso.

3.7 E em relação à vida sexual, à gravidez e à contraceção?
Até à data, não existem disponíveis na literatura informações sobre este aspecto nestes pacientes . Regra geral, tal como em outras doenças auto-inflamatórias, é melhor planejar a gravidez, de modo à adaptar antecipadamente o tratamento devido aos possíveis efeitos secundários dos agentes biológicos no feto.


 
Patrocinado por
This website uses cookies. By continuing to browse the website you are agreeing to our use of cookies. Learn more   Accept cookies